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SOBRE A UTOPIA E NOSSO CINEMA NO QUINTAL

Foto do escritor: Paulo MirandaPaulo Miranda

João Cirilo


É assim que a coisa se dá. Em 2012 vendi algumas obras numa exposição no Rio de janeiro. Com esse dinheiro resolvi comprar um projetor data-show, equipamento que me ajudaria a dar aulas de arte, e facilitaria em muito a minha vida nesse sentido. Casado desde 2013, o ato frequente de passar os fins de semana na casa da minha sogra, que tem um quintal enorme, com muitas árvores, patos, galinhas, localizada no Barreiro, um bairro periférico de Belém, massacrado pela violência, pela falta de investimento governamentais nas áreas de educação, lazer e cultura, me vi diante de um contexto em que crianças crescem em meio a uma realidade dura.


Um sobrinho meu, Marcelino Santos, que amante da música, seguiu um caminho diferente do de tantos jovens vizinhos seus, ganhou uma caixa de som, um amplificador, na verdade, que por muitas vezes serviu para embalar festinhas naquele quintal, aquelas festas em que o som é tão alto, mas que mesmo assim seus participantes tentam, meio que em vão, conversar diante dos auto-falantes.

Participando de umas dessas festas, regadas a muita cerveja, vi que aquela caixa, somada ao projetor que eu tinha, muitas vezes parado em casa, poderiam ser usados para proporcionar algum tipo de entretenimento a muitos dos meninos e meninas que eu via andando por aquela ruela chamada Álvaro Freitas (e quem seria Álvaro Freitas ?), tão agredida pelo poder público e tão violentada pela violência, com os frequentes barulhos de bala, resultantes dos conflitos entre gangues rivais, que, à época se digladiavam pelas ruas do bairro.

Isso foi em novembro de 2015.


A primeira sessão do que seria um cineclube para jovens, voltado à exibição de filmes de animação e de longas com temática a esta faixa etária, se deu da seguinte forma: confecionei alguns informativos impressos a xerox e distribuí pelas casas. Passaríamos em primeira mão O Menino e O Mundo, de Alê Abreu, filme que consegui uma cópia pirata num camelô em Fortaleza, e que concorreria semanas depois ao Oscar de Animação. Orgulho-me pelo fato de que aquelas cerca de 40 pessoas na plateia puderam ver aquele filme ali, e depois, ao saber que ele concorria ao grande prêmio da indústria cinematográfica internacional, puderam pensar: eu vi esse filme! Ainda que tenham visto projetado num lençol fino de solteiro, o único lençol branco que conseguimos naquele dia. Mas vimos, e tivemos pipoca e refrigerante. E quando o Menino e O Mundo acabou, todos permaneceram ali e pediram para ver um outro filme, que na ocasião, calhou de ser A Noiva Cadáver, de Tim Burton.


Desde lá, foram quase quarenta edições de nosso cineclube, ao qual dei o nome de Um Cineminha no Quintal, e que me parece ainda hoje o nome mais apropriado. Nosso cineminha acontece aos sábados, na medida do possível, quinzenalmente. Mas sabemos da dificuldade que é manter a regularidade, seja pelo mau tempo, seja pela falta de tempo, seja pela falta de grana. Recentemente, abrimos mão da pipoca e do refrigerante, pois ficou difícil manter o lanche, mas ao longo desse tempo, formamos o que eu considero algo valiosíssimo: um pequeno grupo de jovens amantes de animações e da coisa boa que é ver filmes juntos.


O cineminha virou um acontecimento, ansiosamente esperado, divulgado boca a boca, com sessões duplas. regadas a aplausos emocionados, a plateia se fazendo presente, trazendo seus banquinhos e cadeiras de casa. Hoje, peço desculpas sinceras às distribuidoras de filmes e aos autores de cada um dos títulos que exibimos (quase cem filmes), que não puderam ver a cor do dinheiro por essas exibições.


Acredito que o fato de trabalhar num cinema, o Cine Líbero Luxardo, lugar que amo de coração, desde 2008, serviu para alimentar esse projeto que parece por vezes quixotesco, por vezes robin hoodiano, de levar cinema a quem não tem acesso.

O cinema é uma forma de lazer cara, infelizmente. Um dia, em meio ao arraial junino do Centur, levei no colo um dos meus sobrinhos até a sala de cinema. Um menininho pequeno, de uns cinco anos de idade. Abrimos a porta do cinema rapidinho e eu disse: “Vem ver como é um cinema de verdade!”

E os olhinhos dele brilhando.


É esse brilho nos olhos que me move, é esse brilho nos olhos que quero ajudar para que, de alguma forma, permaneça aceso nessas crianças e jovens que um dia se tornarão adultos, e que pelo que viram, e que pelo que sentiram, espero que sejam adultos melhores, mais sensíveis, mais sonhadores, ao ponto de instigados a ver o mundo de uma forma melhor e de querer mudar suas próprias realidades e das pessoas as quais elas amam e pelas quais elas se importam.

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João Cirilo - Mestre em Artes pelo Instituto de Ciência das Artes (ICA) da UFPA (2011). Especialização em Semiótica e Artes Visuais pelo Núcleo de Artes da UFPA (2006). Graduação em Educação Artística - habilitação em Artes Plástica (2004) pela mesma instituição. Pesquisador, professor e artista plástico, atualmente é servidor público, atuando como Técnico em Gestão Cultural no Cine Líbero Luxardo


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