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Registrando a religiosidade afro-indígena brasileira

Foto do escritor: Paulo MirandaPaulo Miranda

Cinema é bom e eu gosto. E se há algum tempo o que encantava todo mundo era a grande tela no escurinho das grandes salas de projeção, hoje a chamada “sétima arte” está ao alcance das mãos em cada aparelho celular, em cada canto de nosso planeta. Tive a sorte de acompanhar todo esse processo e, embora não seja contemporâneo do chamado cinema mudo, ali pelo final da década de 1960, conheci alguns dos grandes clássicos quando essas produções se tornaram cult e eram projetadas em tantos “cine-poeiras” e mostras por todo o país.


Por bastante tempo a produção cinematográfica, ao mesmo tempo em que encantava as multidões, era produzida apenas por um pequeno grupo de cineastas financiados por investidores capitalistas, alguns mecenas mais ou menos desinteressados em retorno financeiro, e mesmo governos populares que entendiam a produção cinematográfica como importante meio de registro e expressão das culturas de seus países. Mas aí vieram os anos ‘60’ e esse processo começou a ser alterado primeiramente com a utilização de películas em 16 mm (ainda na década de 1950) e, logo após, com o advento do vídeo-tape – dois processos que permitiram a tantas famílias registrar momentos de lazer ao mesmo tempo em que abriam a porta para a produção de filmes experimentais por artistas e estudantes. É nessa época que surge no Brasil o chamado “cinema novo” que teve em Glauber Rocha um de seus expoentes e que cunhou e pôs em prática o conceito democrático e revolucionário de que, para fazer cinema, bastavam “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.


Baba Tayandô
Baba Tayandô "encostado" por um mestre marajoara.

Quarenta anos depois, no início dos anos 2000 e já residindo em Belém, tive a oportunidade de conhecer a religiosidade afro-indígena praticada na Amazônia no terreiro da saudosa Dona Sabá, médium umbandista que incorporava Mestre Zé Pelintra e Dona Mariana, entidades que aprendi a respeitar e contar com seu aconselhamento e proteção desde então. Naquele mesmo período fui convidado a integrar uma equipe contratada pelo IPHAN-PA e que realizou dois importantes inventários culturais: o INRC-Marajó e outro sobre a Festividade do Glorioso São Sebastião de Cachoeira do Arari, município da região dos campos da grande ilha – nessas pesquisas conheci a “pajelança marajoara” praticada em todos os municípios da “ilha encantada”. Ao mesmo tempo minha militância política, aliada ao interesse pela religiosidade da Amazônia, me levou a conhecer em Belém o saudoso Baba Tayandô, mestre e amigo que me proporcionou ampliar meus conhecimentos nessa religiosidade tão combatida pela ignorância, obscurantismo e intolerância.


E foi desse caldo, temperado com as novas tecnologias digitais e recheado de culturas populares que resultou minha produção audiovisual, da qual três realizações podem ser assistidas na AmazôniaPlay.


Dona Gita
Dona Dica Gita incorporada pelo caboclo Zé Raimundo.

A primeira, intitulada “Pajés de Cachoeira”, resultou de parceria com minha esposa, a museóloga Karla de Oliveira, e foi realizada nos anos 2011/2012, como parte integrante de sua dissertação de Mestrado em Museologia pela UNI-Rio, em que abordava a coleção de pajelança do Museu do Marajó na cidade de Cachoeira do Arari. Neste vídeo você vai assistir uma sessão de cura no terreiro de Dona Dica Gita; uma cerimônia de desenvolvimento na casa de Seo Raimundo; e três entrevistas concedidas à pesquisadora: uma com Seo Raimundo sobre sua atuação como pajé na comunidade, outra com Dona Anita sobre sua formação na pajelança, e uma terceira com mestre Antônio Madureira, músico e compositor de carimbó e boi-bumbá sobre a coleção de pajelança d'O Museu.


Seguindo a linha do tempo, a segunda produção é intitulada “Fé e Cura na Amazônia – Ervas, pajelança e benzição” e foi realizada pela Ibirapema Produções em parceria com a Associação Cultural Afro Religiosa da Casa de Oxaguiã no âmbito do projeto “Encontro de Saberes”. São vinte minutos de uma verdadeira aula sobre pajelança marajoara ministrada por Babá Tayandô, que estava “encostado” por um mestre da ilha encantada com toda a sua sabedoria ancestral. A produção é de 2015, e foi realizada na Casa fundada e dirigida por Tayandô em Belém, onde participei e registrei diversas festividades e cerimônias que podem ser assistidas em meu canal no YouTube.

Dona Mariana
Dona Mariana e sua festa em Boa Vista.

A terceira produção incluída neste acervo é intitulada “Dona Mariana – A festa da Princesa Turca na cidade de Boa Vista”, e foi realizada em duas etapas nos anos 2019 e 2021 – o intervalo se deu por conta da pandemia da Covid-19 que vitimou mais de 650 mil pessoas em nosso país. Logo ao chegar a Boa Vista em setembro de 2019 conheci o Ilê Asé Obá D'Alaguinã, fundado e dirigido pela Yalorixá Adansan Yatylyssá Lefan e onde acontecia a festa de mestre Zé Pelintra. Em dezembro tive a oportunidade de registrar a festa de Dona Mariana, já com a perspectiva de realizar entrevista com a Yalorixá, o que não foi possível na época por conta do isolamento sanitária imposto logo a seguir pela pandemia. Ao final de 2020, com recursos da lei Aldir Blanc, foi agendada a entrevista que, surpreendentemente, foi realizada com a própria Dona Mariana incorporada em Yatylyssá. O curta-metragem tem 30 minutos de duração e mescla imagens da festa com a entrevista em que a entidade relata e comenta os eventos que levaram a médium a estabelecer sua casa religiosa em Boa Vista.


Por fim quero agradecer ao amigo Paulo Miranda e a AmazôniaPlay a oportunidade de participar dessa importante iniciativa, contando despertar o interesse de tod@s em conhecer e compartilhar o conhecimento ancestral repassado por pajés e entidades que tive a oportunidade e felicidade de registrar. Salve Mestre Zé Pelintra, salve a Malandragem! Salve Dona Mariana, salve a Turquia!


(*) Jornalista e artista gráfico, com atuação em pesquisa cultural, fotografia e audiovisual. Veja mais em www.paulodecarvalho.net


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